Jessica Miguel Liu Yeda Ceília
Alimentação e cultura, identidade e cidadania. Você tem fome de quê?
Maria Eunice Maciel* e Renata Menasche1**
Bebida é água.
Comida é pasto.(comida de gado)
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comer,
A gente quer comer e quer fazer amor.
A gente não quer só comer,
A gente quer prazer pra aliviar a dor.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer dinheiro e felicidade.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer inteiro e não pela metade.
“Comida”, de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto
Ao afirmar que se quer mais do que comer, a bela canção dos Titãs2 dialoga com visões reducionistas que restringem (limitem) as necessidades humanas aos limites estabelecidos pela biologia.
Mas, ao mesmo tempo, evidencia na sociedade a existência de uma percepção limitada dos significados da comida: a letra estabelece disjunção (desunião) entre o ato de “só comer” e aqueles associados ao amor, ao prazer, à felicidade, à plenitude humana.
Trazendo à reflexão o debate sobre alimentação e cultura, e desnudando alguns elementos desse debate para o caso brasileiro, buscaremos, neste artigo, apontar algumas das dimensões que, conferindo à escolha, à preparação e ao consumo de alimentos atributos relacionados às identidades sociais, podem dar pistas para pensar a relação entre comida e cidadania.
Comida é pasto?
É bem verdade que a satisfação das necessidades nutricionais é condição indispensável para a sobrevivência de seres humanos. Entretanto, os significados da alimentação para as sociedades não podem ser compreendidos apenas a partir de indicadores nutricionais. Nas palavras de Claude Fischler:
O homem é um onívoro que se alimenta de carne, de vegetais e de imaginário: a alimentação conduz à biologia, mas, é evidente, não se reduz a ela; o simbólico e o onírico, os signos, os mitos, os fantasmas também alimentam e concorrem a regrar nossa alimentação. (FISCHLER, 1979, p. 1)
Dessa forma, o ato alimentar implica também valoração simbólica. Por isso, o que é considerado comestível em uma sociedade – ou, mais precisamente, em um grupo social – não o é em outra.
Nas sociedades humanas, a fome e a sede, necessidades vitais, são formuladas e satisfeitas em termos culturais, sociais e históricos. O que se come, com quem se come, quando, como e onde se come: as opções e proibições alimentares – que, como ensina Igor de Garine, eventualmente distinguem os grupos humanos – são definidas pela cultura: “O homem se alimenta de acordo com a sociedade a que pertence” (GARINE, 1987, p. 4).
Qual a boa comida? O que se come em dias comuns, fins de semana, dias de festa? Que alimentos são considerados perigosos? Quais os alimentos tidos por saudáveis? Homens, mulheres, idosos(as), jovens e crianças: quem come o quê?
“Dize-me o que comes, e eu te direi quem és.” A frase de Brillat-Savarin (1995), datada do século XIX, indica que a alimentação é marcadora de identidade: somos o que comemos. Ou, como afirma Amado Millán:
Na alimentação humana se materializa a estrutura da sociedade, se atualiza a interação social e socioambiental, as representações socioculturais (crenças, normas, valores) que dão significado à ação social [...] dos que têm em comum uma mesma cultura. A abstração conceitual da cultura se concretiza no prato. (MILLÁN, 2002, p.277-278, destaque do autor)
É assim que, perpassada por aspectos simbólicos, as escolhas dos alimentos podem expressar o status do indivíduo em uma sociedade, da mesma forma que a cozinha de um grupo social expressa sua identidade.
Comida, então, é bem mais que pasto. Entendida como uma linguagem (LÉVI-STRAUSS, 1965), a cozinha de uma sociedade indica seus valores. Buscaremos, a seguir, evidenciar que essa abordagem pode vir a contribuir para a análise da sociedade brasileira.
Arroz, feijão e farinha
É comum que o processo de construção de uma cozinha em país colonizado seja descrito como um somatório de influências. No entanto, o processo é complexo e implica confrontos, associações e exclusões.
Se, em linhas gerais, pode-se dizer que as populações que se deslocaram para as Américas trouxeram com elas seus hábitos, costumes e necessidades – todo um conjunto de práticas alimentares, incluindo plantas, animais e temperos, além de preferências, interdições e prescrições –, é importante salientar que as várias influências não são meras “contribuições”, mas fazem parte de um processo colonial que confrontou povos diferentes e, conseqüentemente, sistemas alimentares muito diversos.
No Brasil, costuma-se mencionar como conformadoras da cozinha as influências portuguesa, negra e indígena, reeditando, na culinária, o que seria o “mito fundador” da brasilidade, denominado criticamente por Roberto da Matta – que destaca a distância entre a “presença empírica dos elementos e seu uso como recursos ideológicos na construção da identidade social” – de “fábula das três raças” (MATTA, 1984, p. 62).
2dos Titãs - `Comida´ foi gravada pela banda em 1987, no disco Jesus não tem dentes no país dos banguelas
Ele gosto de pastar!
Onirismo devém da palavra grega que significa "sonho": é um modo de actividade mental que se instala em síndromas confusionais e é, especialmente constituído por alucinações visuais, decorrente de um síndroma de desagregação, de dissolução da consciência, mais ou menos completa.
As cenas vividas no onirismo, preponderantemente expressas, como dissemos, em alucinações visuais, podem também acompanhar-se de alucinações tácteis: é o que se passa nos sonhos, onde são raras, também, as alucinações auditivas.
Por isso a tais cenas se dá o nome de cenas oníricas, ou, quando mais complexas e variadas, de delírio onírico.
Este carácter é devido ao facto de existir um estado anormal de consciência, com obtusão intelectual, lentidão nas percepções e nos processos de orientação e de identificação, do que resulta particular dificuldades das sínteses mentais.
Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755 – 1826) foi um dos mais famosos epicuristas e gastrónomos franceses de todos os tempos. Nasceu na cidade de Belley, Ain, e dedicou-se nos primeiros anos da sua vida ao estudo do direito, química e medicina, em Dijon, tendo chegado a praticar advocacia na sua cidade natal. Em 1789, aquando do rebentar da Revolução Francesa, foi nomeado deputado da Assembleia Nacional Constituinte, onde adquiriu alguma fama, particularmente devido à sua defesa pública da pena capital. Adoptaria o apelido “Savarin” após a morte de uma tia sua, que lhe deixara toda a sua fortuna sob a condição que adoptasse o seu último nome.
85-109
o que é "fábula das três raças"
1. A raça branca, representada pelos nossos colonizadores portugueses. Para o Brasil, eles trouxeram seus hábitos, seus costumes, tradições e a sua música. Foi a maior influência cultural que recebemos. Os brasileiros herdaram dos portugueses:
- a língua portuguesa
- a organização social, jurídica e administrativa
- o conhecimento científico e artístico europeu
- a religião católica com suas diversas manifestações (igrejas, procissões, devoção aos santos, festas religiosas)
- grande parte dos costumes sobre alimentação, vestuário e moradia
- diversas danças e músicas (as festas juninas, as brincadeiras de roda, serenatas, coretos, cavalhadas,...)
- danças dramáticas (Bumba-meu-boi, Cheganças, Pastoris, Folias de Reis, Cordão de Bichos)
- instrumentos (guitarra (violão), viola, cavaquinho, flauta)
Dos portugueses recebemos o gosto pelas carnes de carneiro, porco, cabrito, além da galinha, dos ovos, peixes e mariscos.
Os temperos de origem européia são: alho, cebola, cominho, cheiros verdes e especialmente a vinha-d’alho. Devemo-lhes ainda os recheados, conservas salgadas, açúcar, caldos, o hábito de beber café, a partir do século XVIII. A doçaria lusitana nos trouxe os alfenins e alféloas (puxa-puxa), fios d’ovos e o mel, que teve muita importância na elaboração das sobremesas brasileiras.
Arroz-doce:
Arroz cozido com leite, açúcar, canela e cravo. Trazido pelos portugueses, é consumido no Brasil inteiro, principalmente nas festas de São João.
Arroz-de-leite:
O mesmo que Arroz-doce. No Nordeste, arroz cozido com leite e sal.
Cabidela:
Prato tradicional, difundido em todo o país, feito geralmente de galinha cortada em pedaços e guisada num molho feito com o sangue não coagulado da ave.
(Diz-se também galinha ao molho pardo).
Originária de Portugal, onde era feito com os miúdos e extremidades – ditas cabos, donde o nome do prato -, a cabidela também pode ser feita com outras aves, como pato, ganso, marreco, galinha-d’angola, etc., embora seja a galinha a mais utilizada. O sangue é colhido no momento do abate e misturado com um pouco de vinagre para que não coagule. Os temperos mais comuns incluem pimenta-do-reino, alho e cominho.
Cuscuz:
Prato popular salgado, feito com massa de farinha de milho cozida ao vapor d’água e depois umedecida com leite de coco.
No Sul, é enriquecido com crustáceos, pedaços de peixe, ovos cozidos, palmito, etc. e, ao invés do leite de coco, é umedecido com molho de tomate.
Trazido pelos portugueses, o cuscuz é de origem árabe, muito difundido no norte da África e em Portugal.
O cuscuz era feito inicialmente com arroz ou trigo, só adquirindo a composição atual após a descoberta da América.
2. A raça amarela, representada pelo índio nativo. A liberdade, uma das características básicas da formação do caráter do homem brasileiro, foi herdada do indígena, que reagiu ao trabalho que o português quis lhe impor, fugindo para o interior do país. Herança indígena:
- alimentos (mandioca, milho, guaraná, palmito)
- objetos (rede de dormir, esteira, cestos, jangada, canoa, armadilhas de caça e pesca, instrumentos musicais como maracá, chocalho)
- danças dramáticas - Caboclinhos ou cabocolinhos, Caiapós, Guerreiros, Cateretê e Cururu (em Minas Gerais, Goiás e São Paulo, onde a influência indígena foi marcante).
- lendas
- vocabulário (inúmeras palavras da língua tupi como: abacaxi, amendoim, arara, caju, jacaré, mandioca, milho, pipoca, piranha, sabiá, tatu, urubu / nomes de pessoas: Araci, Iara, Jacira, Maíra, Moema, Ubirajara / nomes de lugares: Chapecó, Cuiabá, Curitiba, Goiás, Guanabara, Guaratinguetá, Ipanema, Ipiranga, Itajubá, Manaus, Paraná, Piauí, Roraima, Tapajós, Ubá)
- hábitos (o uso do tabaco, o banho diário, o uso de cores fortes e enfeites )
Farinha de mandioca:
A farinha-de-pau, de manic ou manibot - hoje dita mandioca -, era feita ralando-se a raiz que cresce dentro da terra em três ou quatro meses, tornando-se tão grossa quanto a coxa de um homem e longa mais ou menos de 1 pé e meio.
Depois de arrancá-la, secavam-na ao fogo ou ralavam-na, ainda fresca, numa prancha de madeira cravejada de pedrinhas pontudas, reduzindo-a a uma farinha alva, empapada, que ia para um recipiente comprido, de palha trançada - tipiti -, para escorrer e secar. O que escorre é um veneno mortal, por culpa do ácido cianídrico, que o sol faz desaparecer em dois ou três dias, deixando a manipueira livre de perigo. O resultadp é o tucupi, ingrediente essencial de um dos mais típicos pratos da cozinha brasileira, o pato ao tucupi - embora aqui não houvesse patos,, na época da colonização.
Alimento pobre, saboroso e facilmente digerível - principalmente quando fresco -, essa ffarinha não serve para fazer pão, mas é perfeita para a farofa, beijus, pirões, sopas e mingaus.
A gente da terra fazia com ela um mingau grosso, ou comia-a pura mesmo, pegando-a com quatro dedos na vasilha e atirando-a de longe a boca, com tal engenho e arte que não perdia um só farelo.
E os brancos, tentando imitar - confessa Jean de Lery, francês, e que veio para o Brasil com o Monsenhor de Villa Ganhão (como rezam os documentos) -, sujavam o rosto, as ventas e bochechas e barbas.
As mulheres daqui faziam também grandes bolas com a massa de aypi ( a mandioca mansa, sem veneno), que espremiam entre as mãos. O caldo cor de leite era colhido em vasilhas de barro e exposto ao sol. O calor condensava e coagulava a beberragem, como coalhada. Cozinhando no fogo, é um bom alimento.
O aipim não serve para a farinha, mas assado na brasa torna-se brilhante como a castanha assada ao borralho, e o gosto é parecido. Servido com mel silvestre (o mesmo que se fazia com a batata-doce e o cará), resultava em um prato que portuguêses e franceses reconheceram como delicioso.
O estadunidense John Casper Branner queria exportar a farofa para o mundo.
abstração:nao tem formaçao fixa
----Cecília
Comments (3)
Alex said
at 7:38 am on Oct 7, 2009
Que interessante...
Sonia lishuang said
at 11:46 am on Nov 14, 2009
haha~~ele gosta de pastar!!
Amanda said
at 7:24 pm on Nov 15, 2009
Já experimentei arroz-doce que foi feito pela minha professora portuguesa lá em Pequim. Era muito bom! Não era doce demais como eu achei antes. Não sei se arroz-doce do Brasil é mesmo sabor. Acho que vai ser mais doce do que o português.
E tenho muita interesse em Cuscuz! É meu gosto, hehe~~Como se cozinha?Dá me ajuda!
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